UnB foi a primeira universidade federal a adotar sistema de cotas raciais, desde o vestibular de 2004. Política gerou intenso debate e abriu portas em outras universidades pelo país |
A chance de ter um diploma de graduação aumentou quase quatro vezes
para a população negra nas últimas décadas no Brasil. Depois de mais de
15 anos desde as primeiras experiências de ações afirmativas no ensino
superior, o percentual de pretos e pardos que concluíram a graduação
cresceu de 2,2%, em 2000, para 9,3% em 2017.
Apesar do
crescimento, os negros ainda não alcançaram o índice de brancos
diplomados. Entre a população branca, a proporção atual é de 22%
graduados, o que representa pouco mais do que o dobro dos brancos
diplomados no ano 2000, quando o índice era de 9,3%. Os dados são do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O Censo do Ensino Superior elaborado pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) também evidencia
o aumento de matrículas de estudantes negros em cursos de graduação. Em
2011, do total de 8 milhões de matrículas, 11% foram feitas por alunos
pretos ou pardos. Em 2016, ano do último censo, o percentual de negros
matriculados subiu para 30%.
“A política de cotas foi a grande
revolução silenciosa implementada no Brasil e que beneficia toda a
sociedade. Em 17 anos, quadruplicou o ingresso de negros na
universidade, país nenhum no mundo fez isso com o povo negro. Esse
processo sinaliza que há mudanças reais para a comunidade negra”,
comemorou frei David Santos, diretor da Educafro – organização que
promove a inclusão de negros e pobres nas universidades por meio de
bolsas de estudo.
O professor Nelson Inocêncio, que integra o
Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Universidade de Brasília (UnB),
pioneira na adoção das cotas raciais, também destaca o crescimento, mas
pondera que é preciso pensar outras políticas para garantir uma
aproximação real entre o nível de educação de negros e brancos.
“Antes
de falar em igualdade racial, temos que pensar em equidade racial, que
exige políticas diferenciadas. Se a política de cotas não for
suficiente, ainda que diminua o abismo entre brancos e negros, a gente
vai ter que ter outras políticas. Não é possível que esse país continue,
depois de 130 anos de abolição da escravatura, com essa imensa lacuna
entre negros e brancos”, destacou Inocêncio.
Cotas x meritocracia
Há 15 anos, o conceito de ações
para inclusão de negros na educação superior motivou intenso debate. Em
junho de 2003, decisão tomada pela UnB de adotar o sistema de cotas
raciais abriu caminho para uma mudança no paradigma de acesso à
universidade, antes fortemente baseado na meritocracia.
O Plano
de Metas para Integração Social, Étnica e Racial aprovado pelo Centro de
Ensino, Pesquisa e Extensão da UnB previa que 20% das vagas do
vestibular seriam reservadas para estudantes negros, de cor preta ou
parda. A política foi adotada a partir do vestibular de 2004, em todos
os cursos da universidade.
À época relatora do projeto, a
professora do Departamento de Comunicação da UnB Dione Moura conta que a
implantação do sistema se deu em meio a muitas resistências e sob
críticas de que a política poderia criar um conflito racial inexistente
no país ou diminuir a qualidade da universidade.
Um dos principais
desafios, segundo a professora, foi convencer os veículos de imprensa, a
sociedade e a própria academia de que era necessária uma política
pública específica para negros e não para a população pobre de forma
geral. Mesmo diante dos números de desigualdade racial na educação e no
mercado de trabalho, questionamentos e dúvidas emergiram, principalmente
com relação à forma de identificação dos negros.
Outras resistências foram quebradas, como a ideia de que o negro de
alta renda não deveria ser beneficiado, de que os cotistas abandonariam a
graduação ou que teriam desempenho inferior aos de alunos não cotistas.
“Já se verifica que esses estudantes são tão capazes quanto os demais
ou ainda têm um desenvolvimento muito melhor. Nesse sentido, não há
dúvida da capacidade dos cotistas, porque eles já demonstraram isso e
pesquisas também têm revelado”, destacou o professor Manoel Neres,
coordenador do Centro de Convivência Negra da UnB.
“O resultado
social negou os preconceitos. A UnB abriu portas para que outras
universidades se abrissem ao jovem negro e o jovem indígena e que depois
o próprio governo federal abrisse uma política nacional para discutir
as cotas no sistema público universitário”, completou Dione Moura. (Com
Agência Brasil)
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Conferência vai debater políticas de enfrentamento ao racismo
Centenas
de especialistas, pesquisadores negros e negras, representantes da
sociedade civil e do governo vão se reunir esta semana na 4ª Conferência
Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir) para discutir formas
de enfrentamento ao racismo no Brasil. No bojo das atividades da Década
Internacional do Afrodescendente (2015-2024), a conferência deste ano
destacará os temas reconhecimento, justiça, desenvolvimento e igualdade
de direitos.
A programação começa nesta segunda-feira (28), às
8h30, no Centro Internacional de Convenções do Brasil. Na abertura,
haverá uma palestra com o representante do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil, Niky Fabiancic, e a
relatora-geral da Conferência Mundial contra o Racismo sediada em 2001,
na África do Sul, Edna Rolland.
Ainda integram a programação
painéis temáticos e discussões em grupos de trabalho sobre diversos
temas, como acesso à justiça, sistema prisional, saúde, direito à
moradia, questões de gênero e religiões tradicionais de matriz
africana.
A baixa representatividade negra em cargos públicos e
nos partidos políticos também deve mobilizar parte dos debates no
evento. São esperados este ano mais de mil delegados envolvidos com a
temática racial, além de representações de países da América do Sul.
A Conapir é promovida pelo Ministério dos Direitos Humanos, por meio
da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(Seppir), e organizada pelo Conselho Nacional de Promoção da Igualdade
Racial (CNPIR). Segundo o Secretário da Seppir, Juvenal Araújo, o evento
está mantido mesmo com os desdobramentos da greve geral dos
caminhoneiros.
“Nos reunimos na sexta-feira (26), foi feita toda
uma avaliação e está tudo pronto para a conferência. Mesmo com esse
problema no país, a conferência está confirmadíssima e vários
[representantes dos] estados já estão se deslocando para Brasília”,
frisou Araújo.
A expectativa do secretário é que a conferência
reafirme os direitos e as políticas conquistadas pela população negra.
Ele acredita que a regularização das terras quilombolas e o assassinato
de jovens negros estarão entre os temas mais discutidos durante o
evento.
“A conferência vai refletir muitos eixos,
desenvolvimento, reconhecimento, justiça e igualdade de direitos. Esse
ano é simbólico porque completa 130 anos da abolição da escravatura.
Então, eu creio que as discussões realmente serão muito baseadas no
aferimento das políticas implantadas. Eu creio que o foco da
regularização fundiária dos povos e das comunidades tradicionais,
principalmente, os quilombolas e o genocídio da juventude negra devem
ser os temais mais debatidos”, afirma Araújo.
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