'Para coordenador da Contee, projetos da Escola Sem Partido representam a nova Lei da Mordaça'
*Por João Batista da Silveira
Na terça-feira 8, o deputado Flavinho (PSC) apresentou o projeto da
Escola Sem Partido (PL 7180/14) prevendo que cada sala de aula tenha um
cartaz com seis deveres dos professores, entre os quais o primeiro é a
proibição de que os docentes “cooptem” os estudantes para correntes
políticas, ideológicas ou partidárias.
O projeto propõe, na
verdade, a escola de partido único, porque proíbe o debate e a livre
circulação de idéias nas salas de aula. Para muitos, trata-se de uma
verdadeira “Lei da Mordaça”.
O programa obriga os professores a
manter a suposta neutralidade em sala de aula ao lecionar várias
disciplinas como, por exemplo,história e geografia. Claro que não se
pode ser favorável a nenhuma espécie de doutrinação no ambiente escolar,
mas os defensores do Escola sem Partido, como destacou a Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) ao
dizerem que “desconhecem solenemente o processo pedagógico, uma vez que
educação pressupõe, em seu sentido pleno, o incentivo à capacidade
reflexiva, ao diálogo, à construção da cidadania, sendo, portanto, uma
atividade política por excelência, no aspecto etimológico da palavra”.
Qualquer
proposta fora disso é defender uma escola acéfala, que formaria
estudantes completamente alienados. Desnecessário dizer que esse é o
mundo ideal para os maus políticos.
Como falar do Golpe Militar de
1964 sem lembrar as perseguições, prisões e assassinatos de civis
promovidos pelo Estado brasileiro durante a Ditadura Militar? Como
explicar o fim da União Soviética sem uma contextualização política e
econômica?
Os apoiadores mais afoitos (e conservadores) dessa
proposta já defendem até exclusão de disciplinas como Filosofia e
Sociologia da grade curricular das escolas. Um absurdo total; ou seja,
seria cômico se não fosse trágico, uma vez que, em caso de
descumprimento dessas propostas de lei, professores estariam sujeitos a
várias punições, que vão desde uma suspensão, demissão e até, acredite,
prisão.
Apesar de não ter qualquer sustentação pedagógica e
jurídica, as propostas do tal Escola sem Partido já tramitam em vários
Estados brasileiros. Em 2017, o Partido Progressista, o Partido Social
Cristão, Partido da Social Democracia Brasileira e MDB (Movimento
Democrático do Brasil, ex-PMDB) foram os partidos que mais apresentaram
PLs do ‘Escola sem Partido’ e contra ‘ideologia de gênero’ pelo país.
Desde
2014, quando foi apresentado o primeiro projeto de lei, de autoria de
Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a média
por ano de projetos idênticos ficava em torno de 20. Em 2017, chegou a
91, de acordo como estudo do grupo Professores Contra o Escola Sem
Partido.
Melhor seria se esses políticos substituíssem os
professores por robôs que poderiam, assim, transmitir o conteúdo para os
alunos ou talvez simplificar tudo com uma simples consulta na internet.
É
bom lembrar que o referido programa ainda contraria a Constituição
Federal, que prevê a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar o pensamento, a arte e o saber. A Contee tem reiteradamente
apontado — incluindo na campanha nacional contra a Lei da Mordaça e na
vitoriosa Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada no
Supremo Tribunal Federal — que a censura, a perseguição e a
criminalização dos professores representam uma afronta à Constituição, à
liberdade de aprender e ensinar e à concepção de uma educação crítica,
democrática e cidadã.
No ano passado, a educação brasileira foi
criticada pela Organização das Nações Unidas (ONU) precisamente pela
retirada dos termos “gênero” e “orientação sexual” do texto da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC).
A Lei da Mordaça afronta os
principais tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário,
entre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, no seu
artigo 18, destaca:
“Toda pessoa tem direito à liberdade de
pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a
liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade
de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em
público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos
ritos”.
E no artigo 19: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade
de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado
pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem
consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de
expressão…”.
*João Batista da Silveira é coordenador da Secretaria de Assuntos Jurídicos da Contee
Fonte: Publicado na Carta Educação
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