(Sobre o incêndio de um prédio que abrigava excluídos sociais, na terça-feira 1º de maio, em São Paulo)
Quando
o que o fogo encontra é a pobreza e a miséria onde se acomodam toda a
sorte de excluídos, só o fogo vê. Só o fogo sabe. Ninguém morreu. Deu-se
apenas a combustão dos invisíveis.
Sim, invisíveis. Talvez o
mendigo que você ignorou na semana passada, ou aquele pai que pediu a
você um trocado porque tinha que comprar um leite para o filho (talvez
esse filho também estivesse no prédio). Aquela criança do semáforo que
você nem viu. Aquele mulher maltrapilha e suja para quem a madame vira o
rosto para não a ver. O servente da construção do prédio ao lado do
seu. Aquele “doido” que cantarolava na rua e você fechava os vidros por
medo, quando ele estava por perto. Aquele adolescente que usava drogas a
alguns quarteirões do seu.
Anônimos.
Excluídos. Seres sem voz, sem sonho(?), que viviam sem nenhum “lugar ao
sol” na metrópole mais rica do Brasil. Brasileiros? Ah, não! Eles não
são. Para eles, o Brasil não existe. Então o fogo, em dia sonolento de
um feriado nacional, resolve transformar em pó e cinzas aqueles pelos
quais ninguém chora. Os invisíveis. Os imprestáveis às fotos oficiais do
país.
Sem direito a sepulcro ou a crachás de identificação. Sem
choro, sem nome e sem lágrimas, voltarão ao nada os que nada foram. E
percebo que a morte nos iguala a todos do seu jeito macabro e frio: vejo
claramente por meio destas mortes que nós, nação oficial, também muito
pouco existimos.
Fonte: Publicado na Revista Pazes
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