Não há dúvida de
que haverá resistência, inevitável em função de um desastre histórico que
também compromete a soberania do país. Pelo seu tamanho, a maioria das
subsidiárias acabarão adquiridas por investidores estrangeiros e irão orientar
escolhas e prioridades em função de necessidades e interesses externos.
Ao decidir que
as subsidiárias de estatais podem ser vendidas sem o crivo do Congresso, como
ocorre com as empresas-matrizes, o STF tomou uma deliberação que terá longo
alcance sobre nosso desenvolvimento econômico e mesmo político. Nossa
soberania, como nação, será imensamente afetada.
O Estado
brasileiro administra, hoje, 134 estatais. Dessas, 88 são subsidiárias: 36
pertencem a Petrobras, 30 a Eletrobrás, 16 ao Banco do Brasil.
Esses números
mostram o tamanho das mudanças que dirigentes e acionistas poderão realizar,
daqui para a frente, no destino de um patrimônio bilionário que o povo
brasileiro construiu com trabalho e sacrifício, preservando, até ontem, o
direito de decidir sobre seu destino.
Não é só isso.
Direções com um viés ideológico privatizante, como aquelas instaladas nas
estatais por Temer e Bolsonaro a partir de 2016, não terão dificuldade para
encontrar caminhos para abrir novas subsidiárias ou engordar aquelas que já
existem, ampliando o horizonte das privatizações possíveis sem autorização do
Congresso.
"Um dia, o
povo pode acordar e descobrir que a Petrobras-mãe é dona apenas do prédio onde
funciona o edifício sede," afirma Felipe Coutinho, presidente da Associação
de Engenheiros da Petrobras. "No dia seguinte, pode descobrir que é dono
só do andar onde ficam as salas da diretoria, pois o resto do edifício foi
transferido para uma subsidiária. Nada impede", diz ele.
Outro elemento
deve ser considerado. Projetado no destino de um país que se encontra entre as
dez maiores economias do planeta, a decisão do STF irá implicar, cedo ou tarde,
na redução do poder político da população para interferir em nosso futuro.
Explico.
Há pelo menos 80
anos, quando Getúlio Vargas deu início a construção de um parque de estatais
através de empresas públicas que assumiram a liderança do processo de
desenvolvimento, a população passou a ter uma influência incomum na
definição da políticas econômicas.
Mesmo sob o
regime de propriedade privada, típico das economias capitalistas, o cidadão
tinha direito de fazer -- pelo voto -- um contraponto na tomada de grandes
decisões econômicas, normalmente reservadas exclusivamente ao setor privado,
isto é, aos ricos e influentes.
Medidas que construíram
daquele que já foi maior parque industrial do hemisfério sul, tomadas na década
de 1940 em diante, foram produzidas por governos ocupados em atender as
demandas da população, Getúlio e Juscelino, eleitos contra a vontade de uma
elite eternizada no comando do país.
Da mesma forma, políticas de crescimento e distribuição de renda, que marcaram os governos Lula e Dilma, só foram possíveis porque o Estado possuía, a partir dos bancos públicos, instrumentos para agir no plano da economia, sem pedir licença ao baronato da Faria Lima nem do Jardim Botânico.
A decisão de
ontem representa um esforço dramático para mudar uma situação que ampliava o
poder de decisão da maioria sobre a condução do Estado.
Quem acompanhou
os dois dias de debate no STF pode reconhecer, ali, uma discussão que nada
tinha de jurídica -- era política, no pior sentido da palavra.
Em vez de
examinar o problema a luz da Constituição em vigor, como é seu papel, a maioria
de ministros procurou alinhar-se, muitas vezes de forma explícita, com as
ideias políticas que alimentam Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Mais uma vez, a
população pode constatar um Judiciário que, em vez de assumir um ponto de vista
contra-majoritário, acomodou-se com os ares políticos do momento.
Não há dúvida de
que haverá resistência, inevitável em função de um desastre histórico que
também compromete a soberania do país. Pelo seu tamanho, a maioria das
subsidiárias acabarão adquiridas por investidores estrangeiros e irão orientar
escolhas e prioridades em função de necessidades e interesses externos.
A derrota é
profunda.
Alguma dúvida?
Fonte: Publicado no Brasil 247
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