*Por Cynthia Torres Cristofaro
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O ministro da Justiça, Sérgio Moro — Foto: Valter Campanato / Agência Brasil |
Sou juíza de Direito em São Paulo
há mais de 25 anos, uma dos 64 juízes e juízas de Varas Criminais que fazem o
processo e julgamento de todos os crimes graves (punidos com pena de reclusão)
ocorridos na cidade de São Paulo, exceto os crimes dolosos contra a vida (esses
são da competência das 5 Varas do Júri da Capital) e aqueles bem excepcionais
de competência federal.
Há anos julgo crimes como roubo
(inclusive latrocínio), extorsão, furto, receptação, estelionato, tráfico de drogas,
estupro, corrupção ativa e passiva, concussão, tortura, peculato, sonegação
fiscal, crimes contra a economia popular e o sistema financeiro, enfim, a lista
é grande.
Não faço parte do fórum nacional de
juízes criminais – fonajuc, e como eu, a larga maioria dos juízes criminais no
Estado de São Paulo e do país também não faz. Não compartilho do entendimento
dessa associação veiculado por seus “enunciados”, alguns deles bastante
constrangedores por proporem violações a garantias constitucionais como a do
devido processo legal e da ampla defesa.
O esclarecimento é necessário em
vista da possibilidade de equivocada compreensão a que a denominação da
associação pode conduzir quanto à abrangência e importância de sua nota
oficial, publicada nesta coluna no sábado 14 de junho (Fórum de juízes
criminais defende a Lava Jato), no sentido de que “é preocupante que o país
fique refém de insinuações e divulgação de material que foi obtido de forma
ilícita”, a propósito do que denominou “invasão cibernética sofrida por
autoridades”.
A Constituição Federal de 1988
prevê com o status mais elevado os direitos e garantias individuais
fundamentais, na maioria listados pelo artigo 5o, de sorte que a expressão
“garantismo” diz respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana e,
aplicada ao processo penal, refere-se ao conjunto de garantias do indivíduo a
quem é imputada a prática de crime. Aí estão inseridas as garantias da
presunção de inocência e do devido processo legal, abrangendo as garantias do
juiz natural, do duplo grau de jurisdição, do contraditório e da ampla defesa.
O “garantismo penal integral”,
visão com que se afirmam comprometidos os magistrados participantes do fonajuc,
ao contrário de se alinhar à noção constitucional, pretende a relativização dos
direitos humanos fundamentais ao reduzir sua importância e nobreza para
colocá-los em pé de igualdade com interesses coletivos, supostos direitos
fundamentais da sociedade, o que vai na absoluta contramão de todo conhecimento
já produzido pelos estudiosos do Direito.
Não se estranha, assim, que diante
da revelação de diálogos entre um juiz e o ministério público a respeito de
processos que um preside e em que o outro é parte, tenha escapado à associação
a flagrante violação de garantia fundamental, a do devido processo, que
pressupõe juiz imparcial, equidistante das partes.
Evidentemente que a violação do
sigilo das comunicações de qualquer pessoa é indevida. Mas a violação pelo
agente político juiz do dever essencial de imparcialidade é de gravidade
incomensurável. É essa violação que é preocupante. Mais que isso, é
acontecimento que me envergonha e aos vários juízes verdadeiramente
comprometidos com o Estado Democrático de Direito.
*Cynthia
Torres Cristofaro, juíza de Direito Titular I da 23ª Vara Criminal da Capital
(São Paulo-SP)
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