Série de reportagens mostra
comportamentos antiéticos e transgressões que o Brasil e o mundo têm o direito
de conhecer.
O Intercept Brasil publicou
hoje três reportagens explosivas mostrando
discussões internas e atitudes altamente controversas, politizadas e legalmente
duvidosas da força-tarefa da Lava Jato, coordenada pelo procurador renomado
Deltan Dallagnol, em colaboração com o atual ministro da Justiça, Sergio Moro,
celebrado a nível mundial.
Produzidas a partir de arquivos enormes
e inéditos – incluindo mensagens privadas, gravações em áudio, vídeos, fotos,
documentos judiciais e outros itens – enviados por uma fonte anônima, as três
reportagens revelam comportamentos antiéticos e transgressões que o Brasil e o
mundo têm o direito de conhecer.
O material publicado hoje no Brasil
também foi resumido em duas reportagens em
inglês publicadas no Intercept, bem como essa nota dos editores do The
Intercept e do The Intercept Brasil.
Esse é apenas o começo do que
pretendemos tornar uma investigação jornalística contínua das ações de Moro, do
procurador Deltan Dallagnol e da força-tarefa da Lava Jato – além da conduta de
inúmeros indivíduos que ainda detêm um enorme poder político e econômico dentro
e fora do Brasil.
A importância dessas revelações se
explica pelas consequências incomparáveis das ações da Lava Jato em todos esses
anos de investigação. Esse escândalo generalizado envolve diversos oligarcas,
lideranças políticas, os últimos presidentes e até mesmo líderes internacionais acusados de corrupção.
O mais relevante: a Lava Jato foi a saga
investigativa que levou à prisão o ex-presidente Lula no último ano. Uma vez
sentenciado por Sergio Moro, sua condenação foi rapidamente confirmada em segunda
instância, o tornando inelegível no momento em que todas as pesquisas mostravam
que Lula – que terminou o segundo mandato, em 2010, com 87% de aprovação – liderava a corrida eleitoral de 2018. Sua exclusão da eleição,
baseada na decisão de Moro, foi uma peça-chave para abrir um caminho para a
vitória de Bolsonaro. A importância dessa reportagem aumentou ainda mais depois
da nomeação de Moro ao ministério da Justiça.
Moro e os procuradores da Lava Jato são
figuras altamente controversas aqui e no mundo – tidos por muitos como heróis
anticorrupção e acusados por tantos outros de ser ideólogos clandestinos de
direita, disfarçados como homens da lei apolíticos. Seus críticos têm insistido
que eles exploraram e abusaram de seus poderes na justiça com o objetivo
político de evitar que Lula retornasse à presidência e destruir o PT. Moro e os
procuradores têm negado, com a mesma veemência, qualquer aliança ou propósito
político, dizendo que estão apenas tentando livrar o Brasil da corrupção.
Mas, até agora, os procuradores da Lava
Jato e Moro têm realizado parte de seu trabalho em segredo, impedindo o público
de avaliar a validade das acusações contra eles. É isso que torna este acervo
tão valioso do ponto de vista jornalístico: pela primeira vez, o público vai
tomar conhecimento do que esses juízes e procuradores estavam dizendo e fazendo
enquanto pensavam que ninguém estava ouvindo.
As reportagens de hoje mostram, entre
outros elementos, que os procuradores da Lava Jato falavam abertamente sobre seu desejo de
impedir a vitória eleitoral do PT e tomaram atitudes para
atingir esse objetivo; e que o juiz Sergio Moro colaborou de forma secreta e antiética com os procuradores da
operação para ajudar a montar a acusação contra Lula. Tudo isso apesar
das sérias dúvidas internas sobre as provas que fundamentaram
essas acusações e enquanto o juiz continuava a fingir ser o árbitro neutro
neste jogo.
O único papel do Intercept Brasil na
obtenção desse material foi seu recebimento por meio de nossa fonte, que nos
contatou há diversas semanas (bem antes da notícia da invasão do celular do ministro Moro, divulgada nesta semana,
na qual o ministro afirmou que não houve “captação de conteúdo”) e nos
informou de que já havia obtido todas as informações e estava ansiosa para
repassá-las a jornalistas.
Informar à sociedade questões de
interesse público e expor transgressões foram os princípios que nos guiaram
durante essa investigação, e continuarão sendo conforme continuarmos a noticiar
a enorme quantidade de dados a que tivemos acesso.
O enorme volume do acervo, assim como o
fato de que vários documentos incluem conversas privadas entre agentes
públicos, nos obriga a tomar decisões jornalísticas sobre que informações
deveriam ser noticiadas e publicadas e quais deveriam permanecer em sigilo.
Ao fazer esses julgamentos, empregamos o
padrão usado por jornalistas em democracias ao redor do mundo: as informações
que revelam transgressões ou engodos por parte dos poderosos devem ser
noticiadas, mas as que são puramente privadas e infringiriam o direito legítimo
à privacidade ou outros valores sociais devem ser preservadas.
A bem da verdade, ao produzir
reportagens a partir desses arquivos, somos guiados pela mesma argumentação que
levou boa parte da sociedade brasileira – aí incluídos alguns jornalistas,
comentaristas políticos e ativistas – a aplaudir a publicidade determinada pelo
então juiz Moro das conversas telefônicas privadas entre a presidente Dilma
Rousseff e seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva (em que
discutiam a possibilidade do ex-presidente se tornar ministro da Casa Civil),
logo reproduzidas por inúmeros veículos de mídia. A divulgação dessas ligações
privadas foi crucial para virar a opinião do público contra o PT, ajudando a
preparar o terreno para o impeachment de Dilma em 2016 e a prisão de Lula em
2018. O princípio invocado para justificar essa divulgação foi o mesmo a que
estamos aderindo em nossas reportagens sobre esse acervo: o de que uma
democracia é mais saudável quando ações de relevância levadas a cabo em segredo
por figuras políticas poderosas são reveladas ao público.
Mas a divulgação feita por Moro e
diversos veículos da imprensa dos diálogos privados entre Lula e Dilma incluíam
não apenas revelações de interesse público, mas também comunicações privadas de
Lula sem qualquer relevância para a sociedade – o que levou muitas pessoas a
argumentarem que a divulgação tinha o propósito de constranger pessoalmente o
ex-presidente. Ao contrário deles, o Intercept decidiu manter reservada
qualquer comunicação ou informação relacionada a Moro, Dallagnol e outros
indivíduos que seja de natureza puramente privada e, portanto, desprovida de
real interesse público.
Nós tomamos medidas para garantir a
segurança deste acervo fora do Brasil, para que vários jornalistas possam
acessá-lo, assegurando que nenhuma autoridade de qualquer país tenha a
capacidade de impedir a publicação dessas informações.
Ao contrário do que tem como regra, o
Intercept não solicitou comentários de procuradores e outros envolvidos nas
reportagens para evitar que eles atuassem para impedir sua publicação e porque
os documentos falam por si. Entramos em contato com as partes mencionadas
imediatamente após publicarmos as matérias, que atualizaremos com os
comentários assim que forem recebidos.
Tendo em vista o imenso poder dos
envolvidos e o grau de sigilo com que eles operam – até agora –, a transparência
é crucial para que o Brasil tenha um entendimento claro do que eles realmente
fizeram. A liberdade de imprensa existe para jogar luz sobre aquilo que as
figuras mais poderosas de nossa sociedade fazem às sombras.
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